(...) O autocarro, minúsculo, apareceu, finalmente, aos solavancos por cima de alguns buracos na estrada. Não levantava poeira porque as ruas estavam lambidas pelo nevoeiro. Paula viu os seus amigos da escola e sorriu-lhes. Mais um dia começava. Gostava da escola. Da sua turma avançada para a época, de rapazes traquinas e raparigas em crescimento, com os seus risos de pré- adolescência, as trocas de segredos, as brincadeiras, o espanto com que viam que, aos poucos, deixavam os seus ares de crianças e se transformavam em cisnes imponentes, negros e brancos, mulatos , cabritas ou cor de café com leite, na estrada de amores que havia de significar, um dia, o surgir das novas gerações de Angola.
O pai já tinha saído para o trabalho, mas Adília, a mãe, estava na janela a dizer adeus, a ver as suas meninas partirem para o colégio particular onde estudavam. Deixou de as ver, numa curva. Sorriu, sozinha, em direcção a nada. Não se importava se alguém a visse sorrir assim, sem ter ninguém à volta. Estava perdida nos seus pensamentos. As suas pequeninas estavam a ficar crescidas. Eram agora jovens felizes, íntegras, com um sentido familiar que era um prolongamento das personalidades de quem as educou. Tinha saudades da sua presença até quando as via partir para a escola, no mini- autocarro desengonçado, cheio de outras crianças, esperanças e futuros. A mãe sentiu os cheiros que a serra emanava, inspirou profundamente e perdeu-se em memórias de quando elas eram pouco mais do que botões de flor. Da sua felicidade tão pura que irradiava pela casa. De como nasceu a primeira pintainha, depois duas e três, espantando o casal que pensava: "Desta vez, vem um rapaz".
–Só sabemos fazer meninas, mulher!– dizia o pai.
Depois riam-se os dois, pouco preocupados com a predominância feminina. Sabiam, de coração, que o que importa é a amizade e o respeito que os filhos devem dedicar aos seus pais e vice versa. Isso, felizmente, tinham de sobra, naquela casa ampla, arejada, onde voavam, lado a lado, alguns impetuosos mosquitos e também fragmentos cintilantes de alegria, de risos e traquinices infantis. Mas, agora, as três meninas cresciam. Logo começariam os amores e desamores, os namoricos e os bailes em que seriam requisitadas já como mulheres e não como crianças divertidas. As suas três meninas (...).
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