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terça-feira, 31 de maio de 2011

Cegueira voluntária

O pior cego é o que não quer ver. O que não quer ver as coisas bonitas da vida. O que dá desprezo às más para não ter que se preocupar com elas. Pessoas assim passam no mundo como uma brisa.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quando o amor queima

"Ele entregou-lhe um pacote pequeno e pesado, envolto em papel colorido. O ritmo dos merengues fazia-se ouvir como um embalo. Estavam no centro do País. No coração de Angola. Os deuses deviam estar a vê-los de cima e a chorar por todos eles, os que haviam de sofrer com as feridas da guerra. As feridas emocionais, as reais, as feridas no património. As feridas do adeus. As feridas das saudades. As feridas dos mortos. Dos vivos. De todos. A Terra girava e eles ali estavam em Silva Porto, um dos nove municípios do Bié. Espalhados à volta estavam o Andulo, Chinguari, Camacupa, Chitembo, Kunhinga, Nharêa, Kuemba, Catabola, numa área total de 70 mil quilómetros quadrados. Tudo no mundo continuava a sua evolução e eles ali, com o tempo parado, suspenso, à espera de um milagre que fizesse mudar o rumo das coisas. Nunca, no entanto, julgaram que seria tão mau. E porque é que naquele dia, naquele instante, em que o mundo parou para bombear o seu amor, eles não combinaram uma estratégia para uma eventual tragédia. Ela abriu o pacote, viu a caixa de jóias, linda, maciça, perfeita. Quase julgou que João lhe entregava o próprio coração ali dentro. Deixou sair as lágrimas que estavam presas dentro de si e chorou no ombro dele, em silêncio, pelo tempo que lhe apeteceu. Mas não falaram do que ia dentro deles, dos medos. Falaram apenas do amor que os unia. Isso parecia bastar-lhes, naquele momento.
    "E assim Portugal entrega Angola aos angolanos, depois de quase 500 anos de presença, durante os quais se foram cimentando amizades e caldeando culturas, com ingredientes que nada poderá destruir. Os homens desaparecem, mas a obra fica. Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem ter de que se envergonhar. Deixa um país que está na vanguarda dos estados africanos, deixa um país de que se orgulha e de que todos os angolanos podem orgulhar-se".
Palavras do Alto Comissário e Governador- Geral de Angola, almirante Leonel Cardoso, no dia 10 de Novembro de 1975, proclamando a independência de Angola em nome do Governo Português. A medida entrou em vigor no dia seguinte e foi a oficialização da entrega do País ao povo angolano. Por esses dias, nos meses anteriores e subsequentes meio milhão de portugueses nas colónias tentavam regressar a Portugal, em fuga. João e Helena fugiram para sítios diferentes e encontraram refúgio em países distintos. Foi um desencontro de uma vida. A dor mais pungente- deixar amigos, deixar a terra-mãe, deixar para trás o amor".
Retornados das colónias


*Excerto de uma história de vida. 

terça-feira, 24 de maio de 2011

Verdades incontornáveis

Poema

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são 
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, 
Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas).
Álvaro de Campos

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Apropriamo-nos

a toda a hora das coisas que os outros acham belas. Ouça esta: soa a paz.

As palavras são como as cerejas


como diz o escritor Vergílio Alberto Vieira. São belas, podem ser doces, ofertam-se, recebem-se, são muitas ali a brilhar no cesto, todas juntinhas, reluzentes, de ar feliz, pedem-se umas às outras, chamam o Verão, os pés descalços, os brincos de cereja. As palavras são como as cerejas. Queremos sempre mais e mais. E aquelas de que não gostamos, sejam os caroços de que nos livramos sem hesitar. 

Uma música para si nesta sexta- feira: AQUI

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Avós

Os nossos avós são tesouros. Devemos-lhe amor, respeito, devoção. Ofereça-lhes a história da sua vida, com as páginas que quiser. Imortalize-os, levando-os até outras gerações. É um projecto bonito: mimar os que amamos, enquanto os temos cá. E mesmo que não lhes ofereçamos nada material,  amemo-los como merecem. Sempre.

"O que avó sente por neto é difícil de descrever. Parece amor estendido no tempo, para o filho do meu filho, amém. Herança cravada na história, o neto é a continuidade do nome, fruto de uma árvore genealógica que promete perdurar. Dá sentido de perpetuidade, que invade quem se percebe cada vez mais finito e provisório, alertado pela decadência do corpo, morada cada vez mais frágil de um espírito cada vez mais livre.

Quem é avó sabe o quanto errou como mãe, inevitável. Ter neto é a sua redenção. Com o neto, a avó é mãe melhorada. Educa melhor porque tem sabedoria.


Não precisamos ficar velhos para lamentar não ter curtido a infância e a adolescência de nossos filhos. Amemos nossos filhos como se deles fôssemos avós".

*Excertos do texto Amor de Avó, por Roberto Patrus-Pena

terça-feira, 10 de maio de 2011

Alucinação

Se, ao entrar nesta página, ouvir um sininho, não se assuste. Não está em delírio e não há nenhum fantasma em sua casa (em princípio). Trata-se do som do Projecto Cyrano a chamar-nos ao trabalho. Tal e qual um pastor a chamar o seu rebanho. E também cumpre um papel apaziguador. Se o achar irritante, talvez tenha também razão.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Biografia

(...) Nos anos cálidos de Pinhel, cidade desde 1770, andavam miúdos e graúdos a crescer, rodeados pela exuberância verde da Serra da Marofa, enquanto o rio Côa e o Massueime cumpriam o seu destino, sem perder de vista o serpentear manso das ribeiras das Cabras e da Pêga, com os quais, de uma maneira ou de outra, acabaria por se fundir. Nos lençóis de água, na chuva, no suor da terra. Os bosques e os pinhais, acotovelavam áreas de amplos horizontes, enquanto debaixo do seu olho de mãe- natureza os meninos se faziam homens e mulheres, numa pobreza feliz Poucos fintariam a interioridade, mas muitos o fizeram. Pinhel é uma âncora, até hoje. Muitos dos irmãos já não a visitam, mas tem lá a alma e os registos impalpáveis da sua história pessoal. Todos têm casa naquela cidade. Maria ficou com a casa dos pais e recuperou-a. Foi uma herança pesada. Por lá ficaram lágrimas e descomposturas, traquinices e dores. "A minha casa, casa nossa, casa minha". A casa que será sempre um museu de afectos.

 Enquanto o pai trabalhava de sol a sol, massacrado pelo seu reumatismo articular, aguentando os extremos do calor e do frio, como só a Beira consegue providenciar, os filhos aprendiam a amar a terra, sobretudo os homens, que continuam a encontrar nela um refúgio, a enxertar e a podar, a regar ou a cultivar qualquer coisa. João e José encontram-se muitas vezes nestas condições, décadas depois. E cumprem um ritual antigo de preparar as videiras ou aliviar as árvores e as plantas, para que possam crescer renascendo. Enquanto isso, conversam. São irmãos em presença. Podam a irmandade para que continue forte (...).




*Biografia em curso. Gostávamos de lhe mostrar mais, mas não podemos. Estamos sempre a dizer que é uma honra e a agradecer pelo facto de nos confiarem percursos tão bonitos. Porque é a mais tranquila das verdades.
**Os nomes foram alterados. 

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sobre nós

Quantas vidas pode um ser humano guardar dentro de si? Se elas doem como se fossem nossas? Todas. Porque as alegrias também entram e por cá ficam, como aquela poeira dourada que pousa sobre as prateleiras e as vai fazendo antiguidade. Bonitas, pelo passar do tempo. Bonitas, pelo que já viram ali pousadas, no seu silêncio de madeira. A alma das coisas. A cada vida, também a nossa alma amadurece, doura, enriquece.

Pouco nos resta fazer senão agradecer. Com uma vénia.