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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Exercício evocativo

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Imagine-se nos socalcos do Douro num dia de chuva miúda. Está frio. Alguém o convida para uma sala com uma grande lareira. Oferecem-lhe o lanche. Sem pressa. Marmelada, geleia, compotas, presunto, queijo, broa, vinho. Não há um único som civilizado ali dentro, só Natureza, numa dessas enormes quintas penduradas sobre o rio, onde se escuta, ao longe, os murmúrios da corrente e o deslizar paciente dos rabelos. Alguém o obriga, gentilmente, a sentar-se. Há muita gente à sua volta, a rir e a conversar, sem barreiras de qualquer ordem. Nem de status nem de comunicação. O que você diz é o que os outros ouvem. E vice- versa. Oferecem-lhe azeitonas caseiras, cortadas à faca, com alho e folhinhas de óregãos. O cheiro a chouriça assada chega-lhe devagarinho. Nada o perturba. Só o vinho que o entorpece muito devagar. Adormece-lhe o corpo, mas não os sentidos. Os sentidos também podem estar felizes. De repente, imagina-se no passado. Por três minutos apenas, enquanto mexe nas brasas da lareira com um pau, vem-lhe à memória o cheiro a trabalho da roupa do seu avô, o rancho com massa cortada grossa e feijão, os riachos, os malmequeres e as joaninhas pousadas por aí. Os campos de milho e de trigo a abrirem-se como um convite à diversão. O pão com queijo feito pela mãe, a bola de carne, de bacalhau, de sardinha. As farófias, o arroz doce, as saudades. Tantas saudades. E os pés descalços sem embaraços. Andar a pé, andar muito a pé sem frio, pelo coração da sua aldeia. Pé na pedra, na terra batida, na caruma. Pé na liberdade. Asas abertas. O cabrito no forno, os beijos da avó, os encontros familiares. Naquele tronco que agora arde, vê, por uma fracção insana, o seu reflexo de menino. O tempo que não volta mas continua em si, na sua pele barbada, no seu cheiro, no seu sorriso. Quando você está, estão também todos os momentos que viveu. Quando você está, estão também aqueles que povoaram a sua vida. Porque as coisas que vão, voltam sempre. Mesmo que não se vejam com os olhos.


*E você, sentiu alguma coisa a ler este texto?

Segredamos-lhe: guarde as suas memórias para as poder transmitir aos que vierem depois. São muito mais do que bonitas recordações. São um pouco de si que se imortaliza. 

9 comentários:

  1. Senti sim. Lembrei a minha avó, que morreu há 7 anos. Engraçado porque não tinha grande afinidade com ela mas foi a primeira pessoa que me veio à ideia. Depois o cheiro das filhozes da minha outra avozinha, essa sim vivinha da silva e linda.
    E o dever de passar aos meus filhos festas com cheiro a massa a levedar, abraços a cheirar a alho e coentros, joelhos esfolados e roupa rota.

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  2. muitas saudades da infância...

    Sara

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  3. Peço desculpa, não tenho conta no google. Gostei muito.

    Até me emocionei um bocadinho. Ainda entrarei em contacto convôsco...

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  4. Traz-me à memória oa meus tempos de mocidade numa recôndita aldeia Transmontana, onde minha avó materna vivia ... Há vivências, cheiros e paladares que ficam para sempre retidos nas nossas memórias ...
    Hummmmm ... até dá água na boca, quando penso na broa quente, a sair do forno, barrada cm azeite e salpicada de açúcar ...
    As alheiras, penduradas na cozinha, que exalam um cheiro fantástico ... assadas no braseiro da lareira, e comida em cima de uma fatia de pó centeio ...

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  5. Adorei, lindo e emocionante mm!! Parabéns

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  6. ADOREI!!!
    Foi como se estivesse lá!

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  7. Arrepiei-me! E lembrei tantas coisas...

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  8. De tudo o que se possa sentir, é saber em quanto somos aqui que os outros pensam e vice versa...

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