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quinta-feira, 31 de março de 2011

Onde estás, amor?

(...) O autocarro, minúsculo, apareceu, finalmente, aos solavancos por cima de alguns buracos na estrada. Não levantava poeira porque as ruas estavam lambidas pelo nevoeiro. Paula viu os seus amigos da escola e sorriu-lhes. Mais um dia começava. Gostava da escola. Da sua turma avançada para a época, de rapazes traquinas e raparigas em crescimento, com os seus risos de pré- adolescência, as trocas de segredos, as brincadeiras, o espanto com que viam que, aos poucos, deixavam os seus ares de crianças e se transformavam em cisnes imponentes, negros e brancos, mulatos , cabritas ou cor de café com leite, na estrada de amores que havia de significar, um dia, o surgir das novas gerações de Angola.
O pai já tinha saído para o trabalho, mas Adília, a mãe, estava na janela a dizer adeus, a ver as suas meninas partirem para o colégio particular onde estudavam.  Deixou de as ver, numa curva. Sorriu, sozinha, em direcção a nada. Não se importava se alguém a visse sorrir assim, sem ter ninguém à volta. Estava perdida nos seus pensamentos.  As suas pequeninas estavam a ficar crescidas. Eram agora jovens felizes, íntegras, com um sentido familiar que era um prolongamento das personalidades de quem as educou. Tinha saudades da sua presença até quando as via partir para a escola, no mini- autocarro desengonçado, cheio de outras crianças, esperanças e futuros. A mãe sentiu os cheiros que a serra emanava, inspirou profundamente e perdeu-se em memórias de quando elas eram pouco mais do que botões de flor. Da sua felicidade tão pura que irradiava pela casa. De como nasceu a primeira pintainha, depois duas e três, espantando o casal que pensava: "Desta vez, vem um rapaz".
–Só sabemos fazer meninas, mulher!– dizia o pai.  
Depois riam-se os dois, pouco preocupados com a predominância feminina. Sabiam, de coração, que o que importa é a amizade e o respeito que os filhos devem dedicar aos seus pais e vice versa. Isso, felizmente, tinham de sobra, naquela casa ampla, arejada, onde voavam, lado a lado, alguns impetuosos mosquitos e também fragmentos cintilantes de alegria, de risos e traquinices infantis. Mas, agora, as três meninas cresciam. Logo começariam os amores e desamores, os namoricos e os bailes em que seriam requisitadas já como mulheres e não como crianças divertidas. As suas três meninas (...).



O que dizer?

terça-feira, 29 de março de 2011

Uns vivem




na terra do muito, outros na terra do nada, os sobreviventes viverão sempre na terra do nunca. A brincar com a vida. A ultrapassar com um sorriso as contrariedades. A voar. A acreditar. A sofrer? Claro, mas um sofrimento carregado de fé no futuro. Abençoadas as crianças dentro de nós.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dizem uns

que hoje começa a Primavera. Para outros é ainda Inverno. Mas só até caírem flores sobre eles e o vento alegre das andorinhas começar por fazer-lhes cócegas nas orelhas. Até o riso de uma criança no parque desfazer o torpor de uma longa hibernação. Aí, pousar-se-ão os sobretudos no chão relvado e todo o verde adormecerá, com um sorriso fresco, sob um manto de traças mortas.

Adeus bafio. Adeus mofo. Adeus caruncho. Adeus bichos dos armários fechados. Adeus fantasmas.

Dia Mundial da Poesia

A Nossa Casa  
A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num país de ilusão que nunca vi...
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

sexta-feira, 18 de março de 2011

Vidas

"Teria cerca de 80 anos e tinha sido chamado pelo IPO, depois de ter feito uns exames pedidos pelo médico de família. Não sabia porque estava ali. Que se sentia bem. Tinha ido sozinho, de autocarro. Estava ali sentado, numa espera interminável, com um papel que tremia nas suas mãos. Tremores da idade, de desamparo, de medo não. A inocência não conhece o medo.
–Sou sozinho. Nunca casei... – disse, enquanto recordava alguns episódios avulsos da sua vida de sobrevivência. As velas sopradas de um bolo que alguém ofereceu. Dos poucos bolos que teve na vida.
Não tem filhos, ninguém. Um par de amigos. Um taberneiro, um vizinho. Conhecidos do bairro. Por isso anda só para todo o lado. Provavelmente foi também sozinho que escutou dos médicos que tinha cancro num qualquer órgão. Com espanto. Com assombro.   Foi também só que apanhou um autocarro tardio e rumou a casa a tentar perceber porque tipo de arrebatamento do destino foi traído. Sozinho a comer. Sozinho a apanhar o autocarro, de três em três semanas, para ir fazer a quimioterapia. E regressar, a hora incerta. Ou deixar-se desistir. Adiada a morte, acentuada a solidão. Talvez venha a morrer de mão dada com uma enfermeira ou uma auxiliar de acção médica.  Sim, há cancros mais ruins do que outros. A solidão é o pior de todos".


*Mais um fragmento real de uma vida que gostaríamos tivesse sido diferente. 

Desta vez

quinta-feira, 17 de março de 2011

Amor- União- Amor- Silêncio

Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços são a flor do aloendro.
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.
Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. E sol. E primavera.
Amor intenso. Amor imenso. Amor instante.
O nosso amor é uma arma. E uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é um pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa,
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
Para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.
Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-Abril.
Este amor de liberdade.



Joaquim Pessoa, Amor Combate

Secção frases I

Há coisas que se choram muito anteriormente.
Sabe-se então que a história vai mudar.

Ruy Duarte de Carvalho

quarta-feira, 16 de março de 2011

Passamos o seu blog para livro.


 Veja um exemplo para uma mãe e mulher muito terna e apaixonada. Também os fazemos mais sóbrios, mais discretos, mais masculinos, mais profissionais, vanguardistas, artísticos, espampanantes, primaveris, românticos. Você escolhe.




terça-feira, 15 de março de 2011

Precisados

de palavras bonitas, que nos entrem ouvido dentro com a leveza de um bater de asas.

Mesmo em tempos

de incerteza, há algo que fica sempre no mundo depois da nossa passagem: as recordações. Dê-nos a honra de contar as suas para que as possa, futuramente, legar aos seus vindouros. E, antes disso, para se ler e reler e encontrar na sua própria vida novas razões para se sublimar. Temos muitas vidas entre mãos. Não quer que eternizemos também a sua?

Contacte-nos pelo mail projectcyrano@gmail.com

E veja os nossos serviços do lado direito, neste blogue, seguindo os links.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Precisa mesmo que digamos alguma coisa?

http://feerleithe.tumblr.com/
http://feerleithe.tumblr.com/

Não vale a pena.

Regionalismos

Palavras, palavronas, palavrões. Todas contam? Todas são? Gosta-se? Desgosta-se? Existem. Ponto final.

Mais uma caminhada pela aldeia. Três quilómetros por quelhos, trilhos, atalhos. Os cães ladram. As ovelhas ainda pastam e há três muito branquinhas sentadas no chão. São bebés. Bolinhas de lã muito branca. Destacam-se no meio das grandes, algumas castanhas de focinho muito escuro. Olham-me sem curiosidade e depois fogem em bando. Nem sabem porque fogem. Talvez porque as minhas vestes são de cor imprópria para ovelhas. Cor- de-rosa. Só nos livros. Nos sonhos. Na vida delas, há uma intrusa, diferente. Há que fugir ou investir nela de chifres em riste. Ou orelhas. Porque sim.  Mas elas debandam. Fogem e eu penso que os bandos são assim. Não sabem porque fogem, sequer. Vêem a primeira ovelha a fugir e imitam-na. Nem que a primeira se atire de um penhasco.
Um homem agarrado a uma enxada, está parado, quase estátua, a ver-me passar. É magro, velho, pele curtida, farto bigode branco. Usa uma bóina suja e cinzenta. O pullover tem losangos em relevo. Não reparo nas mãos, mas devem ser mãos de trabalho. Preparo-me para lhe dar os bons dias. Não esboço sorrisos porque a boa educação dispensa sorrisos. Um cão ladra com voz que evidencia um cão pouco macho, mais bibelô. Cão de trazer debaixo da axila. E ele ladra com o seu ladrar fininho. O homem não se mexe, desentorpece a língua e deixa sair rouca e lentamente, olhando de esguelha o seu companheiro de quatro patas: "Vê lá se queres que te foda os cornos".


Imagem tirada da Net


Estamos em casa. Aqui não há palavras de baixo calão. Há palavras. Não necessariamente rudes, obscenas. Às vezes só palavras. Palavrões, vá.

Secção palavras I

Amofinar: afligir, angustiar, atormentar, torturar e tratear.

Sendo assim:

Desamofine-se.